sexta-feira, setembro 23, 2011

✽ Vício

Escrever um texto é como manipular drogas num laboratório. Tira e põe as palavras, uma com outra, outra com uma. Sinônimos, antônimos, termômetros. Com cautela se experimenta as palavras, as mede, as dosa, as testa. Até que se chega à combinação ideal. O resultado? Uma explosão de êxtase àquele que a consome.

Vício de escrita, é isso que eu tenho.

quinta-feira, setembro 22, 2011

✽ Metapoesia


Não consigo me libertar da metapoesia. Toda vez que me ponho frente ao manuscrito e a pena (mentira, frente ao laptop), não me sai nada além do discurso sobre elaborar o discurso.
Acho que é uma questão de coragem. Falta-me heroísmo pra desbravar outros cantos da alma. Fico nessa sina cômoda de só falar de metalinguagem, evito que me abordem com violência os outros ímpetos da criação. Temo a ruptura brusca dessa inércia mansa e boa.

Que diachos! Me dá preguiça confrontar-me, toma tempo e empenho de achar logo o antídoto pra ferida que se abriu por conta da exposição da face. É como ter lentes de ver cada poro da pele. Ninguém quer isso, nem na foto nem na poesia. Às cucuias o confronto, já me cansa bastante vencer as distrações.

Se começo a escrever e me distraio com alguma outra coisa (o que não é difícil quando se escreve no laptop, online), fica à espera no canto da mente a caixa aberta da imaginação. Bem lá na esquina criativa, por entre os quatro lados da caixa vê-se pulando alguns brilhos de ideia querendo vir a se realizar. Saltitam afoitas as sugestões. São como bichinhos com gemidos agudos, saltando por atenção, querendo ser escolhidos pra se tornar matéria. São chatos, por isso que às vezes vencem as distrações.

Agora inventei uma coisa nova. Sento-me pra escrever e enfio plugs de silicone pelo ouvido, nenhum ruído me invade a audição, fico completamente surda. Surda do externo, veja bem. Calo o mundo à volta para ouvir bem a canção que chia no peito uma poesia. É preciso silenciar as distrações pra encontrar o som que vem de dentro. Inventei isso, está funcionando. Uns criam ao som de música, eu crio à mudez tediosa e senil do silêncio, por vezes brandamente invadida pela minha respiração e, por vezes, quando me assanho com as letras, o pulsar do coração. Tu-tum, tu-tum, tu-tum... se ouvir bem, é o ritmo da vida, não tem como algo lhe inspirar mais que as batidas do órgão vital.

Daí já não sei dizer se é mais poética a distração ou a poesia.

sexta-feira, setembro 09, 2011

✽ Essa gente, o que faz?

Estou constantemente alimentando os glossários da mente a catalogar nomes e significados das coisas do mundo na cabeça. Não quero que me fuja nenhuma acepção. Isso vem da minha mania de controle (ah! que me importa! vou contar-lhes), que me faz tudo querer mapear e entender. Me dá nos nervos, na verdade, mas por vezes considero-lhe virtude... Na maioridade das ocasiões, do controle socorrem-me as palavras - ou as minhas, ou as de outrem. Pra falar a verdade, ultimamente as dos outros me têm sido mais hospitaleiras. Mas o que importa mesmo é viver da letra.

Não conheço outra maneira de viver senão essa em que se debruça sobre o belo pra lhe trazer pra perto e o possuir pelo discurso. Se existe outro jeito de ser, me diga.
Quero dizer, sei que existem, mas não seria esse o mais retumbante?

Fico pensando... Não entendo essa gente que não escreve ou, sei lá, inventa alguma arte ou arranjo de palavras pra subsistir à existência. Essa gente, o que faz? Quais são seus métodos de expurgação? É nos rascunhos que eu descanso de ser eu.
Pra onde vão seus entulhos e bagaças? Pra onde escorrem as lavas de seu coração vulcânicoª? Ou será que têm coração comum? Explica-me, por favor, essa gente que não se deita sobre indagações, têm viver ralo ou somente um desafeto pelas coisas sensíveis? Bem, eu diria que ter desafeto por qualquer coisa da ordem do sensível é viver empobrecido.

Às vezes fico me perguntando, devo confessar, vivo a me perguntar. E me pergunto tanto, desse tipo de pergunta que só se responde no diâmetro da mente alheia, que quase já não sei mais ser orgânica no agir. Transbordo tanto em lucidez que a sobriedade me faz mal, me constrange o viver social. Perco a teatralidade de cumprir com as convenções do convívio humano, a hiper-reflexão me rouba a naturalidade. Essa coisa de ser existencial.
Esse viver exagerado e intenso nos consome mesmo são as entranhas. É turbilhão, furacão, remoinho bem aqui dentro do estômago vazio. Só não é vazio se eu como a letra.

 É por isso que me pergunto, o que faz essa gente que não vive de letra?



ª"Coração vulcânio", termo usado pela Mallu Magalhães em sua canção "Cena", a qual é tema desse blog que vos fala exibe a página. Mallu é sem dúvida dona de muitas palavras que já me abrigaram e alimentaram.

quinta-feira, setembro 08, 2011

✽ A quem pertence a poesia?

Pra poetizar é preciso não ter medo de rejeição.

Repito, que pra poetizar é preciso não ter medo de rejeição. Tem que dar tudo o que tem, e o que se acha que tem, na folha virgem. Perde-se o orgulho pra dissertar com os punhos.
Não é por orgulho que se adorna o verso, é por amor. E o amor não teme o abandono, ele tudo suporta com brio até que seja retribuído.

A retribuição que espera o poema está em o leitor ter prazer na explosão dos significados, dos frames, das cenas, dos universos que se-lhe abriram no canto da imaginação ao ler a obra. Não tem outra forma de correspondê-lo. Autor e leitor são um no deleitar-se dos signos, não se sabe quando um começa e outro termina. Que me importa sabê-lo, também, se estou convencida de que o texto não veio do escritor tanto quanto não veio do leitor. O texto é entidade externa, à parte dos homens, que o poeta foi e capturou e assinou embaixo. O que separa autor e receptor é que o primeiro seduziu a inspiração primeiro. E você sabe, a inspiração é aquele braço que puxa o belo concreto no vácuo e entrega em mãos ao escritor.

Quase tem inveja do poeta o leitor que lhe leu o bom texto. Queria mesmo era ter escrito aquilo antes de quem o fez, acha que tal composição podia ter-lhe brotado da própria alma. E de tanto querer, até passa a achar que o poema (ou prosa, ou crônica, ou canção) na verdade lhe pertence. E de fato está certo, pois pertencer não é só pro autor - o que ama a poesia também a possui. Diria até que quem a odeia também a possui. A ela dedica tão intenso sentimento, o ódio, que é seu mérito possuí-la também.

É por isso que pra poetizar é preciso não ter medo de rejeição. Até no que a rejeitar fez sentir alguma coisa.

sábado, setembro 03, 2011

✽ Peça por peça

O que é a verdadeira nudez, afinal, senão a do pensamento?

Despindo-se lentamente vai o poeta, palavra por palavra.


quinta-feira, setembro 01, 2011

✽ Põe-se à mesa

Sento sobre a cama e me ponho a escrever.
Por vezes fico tentando diminuir esse abismo fatal que existe entre o que se quer dizer no canto fértil da mente e o que se concretiza na linguagem (como já disse aqui antes). E digo que é fatal porque basta um passo falso que pode matar-se o primor do verso. Escolher os vocábulos é tarefa meticulosa e detalhista.

Nada se pode esconder quando se poetiza, põe-se à mesa toda sorte de compunção. Vasculha-se bem dentro do peito o que se tem de mais indizível, e ao narrar o que há em si de inenarrável, acha-se paz e realização. Acredite, o arroubo sublime que se encontra no verso acabado faz valer a pena a nudez da alma. Enfrenta-se com brio o escancarar da intimidade.

Ora, justamente por escancarar-se a nudez que se encobre o verso com a obscuridade que os trunfos literários ofertam. É por isso que se esculpe com destreza as letras, motivo nenhum senão reivindicar para si um pouco de privacidade. E por privacidade quero dizer "um compartilhar mais exclusivo", porque sempre tem aquele leitor que lhe arranca o lençol logo na primeira estrofe. São aqueles que consomem o texto, se nutrem de cada sentença. Não é qualquer um que se dá a receber a prosa de outrem e, saiba, o autor tem prazer na seletividade de seus leitores (ele quer aquele que se explode de gosto na obra). Tem gente que tem alma gêmea da nossa, e acaba-se por descobrir quando se lê o que o outro disse. Dá-se um encontro.
E a gente vai se afinando, um na palavra do outro, um na nudez vista do outro.

Mas devo dizer, até no que se expõe há uma autocensura, é claro. Não ia querer afugentar o leitor com as minhas bagaças. Mas para estas também existem os floreios e adornos poéticos, desvia a atenção. É isso! É isso que é poesia: bagaça adornada! Não me leve a mal, estou lhe espantando, não estou?

Pois bem (pigarreando séria), autocensura às vezes convém.